quinta-feira, julho 24, 2014

Sou Poeta

Eu sou poeta

Se eu não fosse poeta, me obrigaria a sê-lo.
Mas eu sou, logo, não me obrigo a isso.
Não sou poeta por ser melhor,
Sou poeta por me ser doce pescar palavras.

quarta-feira, julho 23, 2014

É tempo de viver

Um homem havia perdido anos de sua vida, sem sair do lugar, passavam dias e noites e ele meditava sobre a vida, mas a vida passava constantemente pela sua janela e ele não a percebia, pois somente vivia para meditá-la. Em sua velha casinha em um bairro de uma cidade que ia crescendo dia-a-dia, construiu-se prédios, pontes, viadutos, templos, escolas, hospitais, as pessoas nasciam, cresciam e morriam e este senhor não se dava conta disso. Um dia, ele ao pensar na vida em sua casa, teve um raciocínio quase que fatal, sentiu-se envolto de uma vida vazia, de uma vida sem vida, sentiu-se como se estivesse em coma há anos e nada fazia sentido, não pensou em nada, pensou somente que a vida que ele procurara tanta iluminação ficou apenas um tenebroso vale de sombras, insosso, inexistente.

Pensou em sair de casa, como prestes a morrer por não ter encontrado em si o sentido de sua própria vida. Pegou o velho guarda-chuvas no qual acumulara bastante pó e nunca havia visto água, fazia sol lá fora, mas ele quis levar o guarda-chuvas como uma segurança a mais, em meio ao mundo que julgara desgovernado, caótico.

Ao sair, viu crianças indo para a escola e elas conversavam entre si, viu um policial prestando informações a um viajante que estava na cidade, viu a banca de jornais estampando revistas coloridas, viu moças e rapazes bem vestidos indo para os seus trabalhos. Viu um carrinho de nenem, olhou para a criança e a criança gratuitamente lhe sorriu e ele sorriu para a criança como que num impulso, nada pensado. Continuou a caminhar em meios as cores que o sol lhe trazia, somente estas pequenas coisas faziam mais sentido do que tudo o que antes ele havia pensado.

Havia pensado em um mundo sem cores, sem amor, desiludido com a sua própria obrigação de existir. Sim, o mundo também era isso, ele lembra disso, mas viu que a vida deu os seus jeitos, que a vida seguiu os seus caminhos, que em meio a vias tortuosas ela transitou e chegou radiante e linda ao dia de hoje, com sinais claros de seu vigor e força.

As teorias de nada serviam para provar nada, pensou ele consigo, se não houver movimento, cores, brisas, passeios e pedestres e principalmente se não houver uma persistente esperança no momento presente, no hoje e no agora.

Pensou que era tempo de correr, mas desistiu, era simplesmente o tempo de viver, de respirar da mesma forma que o mais rico homem do mundo e o mais miserável deles respiram, é tempo de dar um primeiro passo, sem olhar para trás e de crer ainda, um pouco mais na vida, amá-la, respeitá-la, nos momentos oportunos e inoportunos.

Ao anoitecer, ainda radiante com a vida cheia de cores, sons (e ruídos também), ele viu que tudo foi se esvaindo, que as pessoas sumiram das ruas e foram para as suas casas, até os bares noturno mais insistentes ele viu fechar, aprofundou-se no silêncio percebeu que havia perdido muito tempo, mas não quis teorias mais, quis sentir um pouco mais da vida que havia perdido e agora começa a recuperá-la.

Foi para a casa, antes de entrar, viu-a como um mausoléu, escura, abandonada, ainda fechada, sem cor, sem som, sem movimento. Entrou e desejou logo ir deitar-se e relembrar tudo o que havia visto, ouvido, tocado, mas não, pensou em arrumar a própria casa, tirar dela o pó, mudar os móveis de lugar, pensou até mesmo em ligar a velha vitrola com os velhos discos que há muito não mais ouvia e assim o fez, o fez de forma cautelar, para não atrapalhar a vida dos que dormiam.

Nas arrumações percebeu que havia perdido o seu guarda-chuva e riu disso, disse que para viver as vezes é também necessários correr riscos, grandes ou pequenos como perder um guarda-chuva velho.

Sentou-se e esperou o dia amanhecer e como num ato penitencial, decidiu não dormir, apesar de sentir-se cansado, pois havia passado a noite acordado e espirrando, devido aos fungos de toda a sua vida pregressa.

Ao sair o sol, saiu para a rua, tomou um um café na padaria e viu as pessoas conversando e percebeu que elas nem se conheciam, mas trocavam informações sobre futebol (lembrou ele que torcia para um time também) e perguntou sobre como o seu time havia ido no campeonato e disseram que quase foi campeão e que tinha bons jogadores. Tomou o café, despediu-se de suas amizades relâmpagos e foi caminhar.

De todas as construções ele viu que a mais bela ainda era a antiga Igreja do bairro, foi lá ver ela por dentro, viu a imagem do Cristo na Cruz e lembrou que ela estava lá quando ainda era criança. Aquela imagem fulminou-o por alguns segundos, sentiu-se que o amor era insistente pois o valor dos sacrifícios são também insistentes.

Pax et Fides!

João Batista Passos

O desejo de ser desejado

A alegria do ser humano constitui em um único elemento e este elemento é a forma com que se entrega ao amor de Deus. Entregar-se abertamente e de forma livre, entregar-se por querer entregar-se, por desejo expresso por atos de vontade.

Deus supera todas as nossas expectativas, Deus supre em nosso ser todas as necessidades, Deus nos ama e nos deseja.

Há um tempo, já há um bom tempo pensei em uma necessidade humana, que é o desejo de ser desejado. Todos nós temos este desejo e o praticamos das mais variadas formas, as vezes chegamos a sermos mesquinhos e absurdos ao intentar suprir em nós tal demanda, que é natural, porém, que não se apetece facilmente, antes estimula repetidas vezes os mesmos sentidos, sentimentos a ponto de beirar ou transformar-se em vícios que deformam a identidade de ser humano.

Porém, este desejo de ser desejado é natural, e é real que assim seja, pois quando fomos criados por Deus a sua imagem e semelhança, Deus nos amou de tal forma e imprimiu em nós também traços deste amor insondável, resumindo, Deus nos deixou claro que Ele nos ama tão ardentemente ao ponto de nos desejar, de pensar em nós e em cada um de nós, sempre (poderia dizer aqui que Deus pensa em nós em nosso dia e em nossa noite) e Ele nos quer em absoluto dar-nos respostas com este amor com que Ele nos criou e nos deseja.

Quando sentimos a presença de Deus nos mais simples gestos de abertura a sua vontade, sentimo-nos realizados de maneira real e concreta, não porque recebemos nestes atos algo em troca que nos seja visível ou palpável, mas que em nosso mais íntimo tem-se esta sensação de uma enorme e indescritível felicidade.

Quando eu penso nestas palavras e as pensei muito antes de escrever (penso nisso há alguns anos), e evitei de escrevê-las de qualquer forma (mas que de qualquer forma precisava escrevê-las e assim o faço de maneira simples), logo me dirijo ao que nos disse Santo Agostinho sobre isso:
"Fizeste-nos para Ti e inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Ti."
Também, talvez, me faça compreender uma oração de Santa Teresa D´Avila:
Nada te perturbe, Nada te espante,Tudo passa, Deus não muda,A paciência tudo alcança;Quem a Deus tem, Nada lhe falta: Só Deus basta. 
Todos os nossos desejos, os mais secretos, os mais discretos, os mais íntimos ou os mais assumidos se resume em um, o de desejar o desejo de Deus por nós. Nesta compreensão assumimos a nossa identidade própria, pois diante do olhar de Deus nos compreendemos melhor, sabemos o quanto somos amados, sabemos o quanto Deus nos fez felizes e felizes mesmo.

O mundo, na tentativa de eliminar ou banalizar a presença de Deus, faz com que as pessoas descuidem disso, deste sentimento que lhes é próprio, mas que passam a "completar-se" ou a realizar-se pelas coisas que não lhes são sequer inerentes a sua natureza, mesmo que intimamente alarmadas pelo íntimo do consciente, tem se entregado cada dia mais a uma deformação sem limites da personalidade, degenera o sentido da pessoa humana, de si mesmo e da própria identidade e passa a se sobrepor tais desejos (fast-wishes) a vida humana e à própria vida.

Buscarão e não encontrarão, viverão uma vida sem vida, uma vida com repentinos momentos de realizações, muitas vezes necessariamente absurdos e extravagantes, mas que precisam ser repetidas, pois não se realiza o sentimento de ser desejado com amor, com o amor que só Deus tem por nós, por aquele amor que nos eleva, nos constrói, nos faz bem.

Só Deus basta e o nosso coração não repousará enquanto não sentirmos o quanto somos amados e desejados e o quanto este amor nos preenche substancialmente.

Pax et Fides!

João Batista Passos