quarta-feira, julho 23, 2014

É tempo de viver

Um homem havia perdido anos de sua vida, sem sair do lugar, passavam dias e noites e ele meditava sobre a vida, mas a vida passava constantemente pela sua janela e ele não a percebia, pois somente vivia para meditá-la. Em sua velha casinha em um bairro de uma cidade que ia crescendo dia-a-dia, construiu-se prédios, pontes, viadutos, templos, escolas, hospitais, as pessoas nasciam, cresciam e morriam e este senhor não se dava conta disso. Um dia, ele ao pensar na vida em sua casa, teve um raciocínio quase que fatal, sentiu-se envolto de uma vida vazia, de uma vida sem vida, sentiu-se como se estivesse em coma há anos e nada fazia sentido, não pensou em nada, pensou somente que a vida que ele procurara tanta iluminação ficou apenas um tenebroso vale de sombras, insosso, inexistente.

Pensou em sair de casa, como prestes a morrer por não ter encontrado em si o sentido de sua própria vida. Pegou o velho guarda-chuvas no qual acumulara bastante pó e nunca havia visto água, fazia sol lá fora, mas ele quis levar o guarda-chuvas como uma segurança a mais, em meio ao mundo que julgara desgovernado, caótico.

Ao sair, viu crianças indo para a escola e elas conversavam entre si, viu um policial prestando informações a um viajante que estava na cidade, viu a banca de jornais estampando revistas coloridas, viu moças e rapazes bem vestidos indo para os seus trabalhos. Viu um carrinho de nenem, olhou para a criança e a criança gratuitamente lhe sorriu e ele sorriu para a criança como que num impulso, nada pensado. Continuou a caminhar em meios as cores que o sol lhe trazia, somente estas pequenas coisas faziam mais sentido do que tudo o que antes ele havia pensado.

Havia pensado em um mundo sem cores, sem amor, desiludido com a sua própria obrigação de existir. Sim, o mundo também era isso, ele lembra disso, mas viu que a vida deu os seus jeitos, que a vida seguiu os seus caminhos, que em meio a vias tortuosas ela transitou e chegou radiante e linda ao dia de hoje, com sinais claros de seu vigor e força.

As teorias de nada serviam para provar nada, pensou ele consigo, se não houver movimento, cores, brisas, passeios e pedestres e principalmente se não houver uma persistente esperança no momento presente, no hoje e no agora.

Pensou que era tempo de correr, mas desistiu, era simplesmente o tempo de viver, de respirar da mesma forma que o mais rico homem do mundo e o mais miserável deles respiram, é tempo de dar um primeiro passo, sem olhar para trás e de crer ainda, um pouco mais na vida, amá-la, respeitá-la, nos momentos oportunos e inoportunos.

Ao anoitecer, ainda radiante com a vida cheia de cores, sons (e ruídos também), ele viu que tudo foi se esvaindo, que as pessoas sumiram das ruas e foram para as suas casas, até os bares noturno mais insistentes ele viu fechar, aprofundou-se no silêncio percebeu que havia perdido muito tempo, mas não quis teorias mais, quis sentir um pouco mais da vida que havia perdido e agora começa a recuperá-la.

Foi para a casa, antes de entrar, viu-a como um mausoléu, escura, abandonada, ainda fechada, sem cor, sem som, sem movimento. Entrou e desejou logo ir deitar-se e relembrar tudo o que havia visto, ouvido, tocado, mas não, pensou em arrumar a própria casa, tirar dela o pó, mudar os móveis de lugar, pensou até mesmo em ligar a velha vitrola com os velhos discos que há muito não mais ouvia e assim o fez, o fez de forma cautelar, para não atrapalhar a vida dos que dormiam.

Nas arrumações percebeu que havia perdido o seu guarda-chuva e riu disso, disse que para viver as vezes é também necessários correr riscos, grandes ou pequenos como perder um guarda-chuva velho.

Sentou-se e esperou o dia amanhecer e como num ato penitencial, decidiu não dormir, apesar de sentir-se cansado, pois havia passado a noite acordado e espirrando, devido aos fungos de toda a sua vida pregressa.

Ao sair o sol, saiu para a rua, tomou um um café na padaria e viu as pessoas conversando e percebeu que elas nem se conheciam, mas trocavam informações sobre futebol (lembrou ele que torcia para um time também) e perguntou sobre como o seu time havia ido no campeonato e disseram que quase foi campeão e que tinha bons jogadores. Tomou o café, despediu-se de suas amizades relâmpagos e foi caminhar.

De todas as construções ele viu que a mais bela ainda era a antiga Igreja do bairro, foi lá ver ela por dentro, viu a imagem do Cristo na Cruz e lembrou que ela estava lá quando ainda era criança. Aquela imagem fulminou-o por alguns segundos, sentiu-se que o amor era insistente pois o valor dos sacrifícios são também insistentes.

Pax et Fides!

João Batista Passos

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